segunda-feira, 7 de julho de 2008

BRASIL / ECA 18 anos

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
18 ANOS
Inovações na educação
Correio Braziliense 7/7/2008
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi a primeira lei federal a garantir o direito a creche e à pré-escola para meninos e meninas de até 6 anos. Muito antes da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que estabelece repasses para a educação infantil, o ECA já dizia que é dever do Estado o atendimento nesse nível escolar. “A luta pela creche e pela pré-escola ganha vida depois do ECA.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) veio cinco anos depois. Essa é uma das inovações significativas que são pouco lembradas pelas pessoas”, diz o procurador de Justiça Paulo Afonso Garrido de Paula, um dos redatores do estatuto. Para conseguir as vagas, porém, muitas mães precisam lembrar ao poder público que esse é um direito constitucional: somente 15% das crianças de até 3 anos estão matriculadas. Na pré-escola, o índice é de 67%. Isso, contando com as escolas particulares. “Esse é o problema que mais me angustia no dia-a-dia”, confessa o conselheiro tutelar Evaldo Cardoso. “Somente em Ceilândia, temos uma demanda reprimida de 5 mil vagas para creches.
E 80% dos casos de violações de direitos, como maus-tratos, estão relacionados com a ausência de políticas públicas educacionais, como a falta de creche. As mães não têm com quem deixar os filhos. Essas crianças ficam nas ruas, ou com as vizinhas, ou com os irmãos mais velhos”, relata. Para Odetino Pereira Dias, um dos primeiros conselheiros de Planaltina, o fim do Bolsa Escola, em 2002, piorou o problema. “Antes, as mães ganhavam um salário mínimo para manterem os filhos no colégio e acompanharem as tarefas escolares. Hoje, para ganhar esse mesmo valor, precisam trabalhar, saindo de casa às 5h30 e voltando às 18h”, critica.
Foi com muita luta que Silene Firmiana, 37 anos, conseguiu uma vaga para Ingrid, 3. Além da menina, a faxineira, moradora de Ceilândia, tem outros três filhos, de 9, 13 e 14 anos. Sem marido, precisa se desdobrar para garantir o sustento das crianças. “Eu sou a mãe e o pai delas. Estou sempre correndo atrás de trabalho”, conta. Mas quando Ingrid nasceu, a vida ficou mais difícil. Silene não tinha com quem deixar a menina. Durante dois anos, ela foi ao Centro de Desenvolvimento Social da cidade várias vezes. Em vão. A saída foi apelar para o conselho tutelar. No final do ano passado, Ingrid conseguiu a vaga. “A conselheira que me atendeu pediu urgência. Em pouco tempo, minha filha estava matriculada”, comemora.
O conhecimento da lei mudou a vida da faxineira. “Abriu minha cabeça. Tanto que, depois que eu conheci o estatuto, passei a fazer parte do conselho escolar do colégio da minha filha de 9 anos. Estou sempre ajudando a resolver problemas”, diz, orgulhosa. Mas o ECA não garante direitos educacionais apenas às crianças pequenas. O texto da lei também inova ao estipular que é dever do Estado providenciar a permanência do estudante do ensino fundamental, por meio de programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde. Além disso, prevê a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio, o respeito aos valores culturais e históricos da criança e do adolescente, a inclusão de portadores de deficiência e o acesso aos níveis de ensino mais elevados, entre outros.
Para o sociólogo Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, um dos artigos mais avançados é o que estabelece o direito de organização e participação em entidades estudantis. O que, na prática, significa a possibilidade de crianças e adolescentes interagirem diretamente na gestão escolar. “Considero o artigo o mais impactante e o menos promovido”, diz. “Se os adolescentes tivessem a condição de opinar na gestão, com certeza não haveria um hiato tão grande em relação ao que quer o jovem do ensino médio e o que a escola oferece”, argumenta. O sociólogo também destaca o pouco cumprimento do artigo que estabelece o direito ao acesso a um colégio próximo de casa. Problema que, para Cláudio*, 12 anos, virou sinônimo de abandono escolar. O pré-adolescente foi flagrado por uma professora com três latas de merla dentro da mochila.
Levado à delegacia, em Ceilândia, ela jurou que não tinha envolvimento. “Eu só guardei porque um menino me pediu.” Com medo de represálias, o pai de Cláudio, que cursava a classe de aceleração, deixou de levá-lo ao colégio. Eles moram em uma área dominada pelo tráfico de drogas. “Não deixo ele ir para a escola, não. Já vi menino de manhã, em frente ao colégio, com arma na mão, para matar.” O jeito foi procurar vaga em outras escolas. A única que aceitou Cláudio, porém, fica a 40 minutos da casa do menino. Para o pai, é uma opção impensável. “Ele vai correr mais risco ainda no caminho.
Esses traficantes não querem nem saber de conversa. Chegam perto e já vão matando.” Mesmo com o caso denunciado ao conselho tutelar da cidade, não houve solução. Cláudio não sai de casa e corre o risco de perder o ano escolar.

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