domingo, 29 de junho de 2008

BRASIL/ Assassinato Indígena

Polícia Civil do Distrito Federal precisará do apoio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) na investigação da morte de Jaiya Pewewiio Tfiruipe Xavante, 16 anos.
Segundo o delegado responsável pelo caso, Antônio Romeiro, a divulgação da notícia de que uma tia da menina seria a autora do crime dificultou o trabalho. Ele desmente a versão. Uma equipe de agentes foi convidada a se retirar da Casa de Apoio à Saúde Indígena do DF (Casai), o local do assassinato, na manhã de ontem.
O pedido partiu dos índios abrigados. Não houve confronto. A mãe da vítima, Carmelita Xavante, e a tia, Maria Imaculada, estão na aldeia São Pedro, em Campinápolis (MT). A tia, que acompanhava a menina, foi para casa na quarta-feira, dia em que a Jaiya Xavante morreu no Hospital Universitário de Brasília (HUB) de infecção generalizada, em decorrência de agressões sofridas na madrugada, dentro da Casai.
Maria Imaculada não foi ouvida pela polícia. Carmelita também viajou para a aldeia no dia morte da filha, mas voltou a Brasília sexta-feira, para buscar o corpo da adolescente. Retornou à terra no mesmo dia, logo após ser interrogada. Antônio Romeiro, chefe da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), descartou a possibilidade de enviar equipe da Polícia Civil do DF à aldeia São Pedro. Ele espera contar com a ajuda da Polícia Civil de Mato Grosso e acredita que a Polícia Federal deva entrar no caso amanhã. Se preciso, também diz que é possível intimar as parentes da vítima para que retornem à capital federal e prestem esclarecimentos. As intimações seriam cumpridas por agentes da polícia matogrossense ou da PF.
Antropólogos
Por enquanto, as investigações sugerem que o crime tenha sido mesmo praticado pela tia, pois ela estaria com a menina no momento das agressões, segundo testemunhas. Agentes investigam a possibilidade de ela ter recebido ajuda de outro índio abrigado na Casai. No entanto, Romeiro pede cautela. “É prematuro e imprudente dizer isso. Estamos no início das investigações”, comentou.
A polícia pedirá ajuda de antropólogos para entender melhor a cultura dos povos xavantes. Até aqui os depoimentos têm sido um trabalho árduo. Os índios hospedados na Casai não querem falar sobre o assunto. Jaiya tinha problemas neurológicos e motores por causa de uma meningite contraída na infância. Ela estava em Brasília para tratamento no Hospital Sarah Kubitschek desde 28 de maio.
Na madrugada da última quarta-feira, sofreu ferimentos que atingiram o baço, o estômago e o diafragma. Romeiro afirma que a violência ocorreu no interior da Casai, onde a menina dormia sempre na companhia da mãe e da tia. Já se sabe que a arma usada para perfurar os órgãos sexuais da menina foi uma barra de aço de cerca de 40cm, ainda não encontrada.
Revolta
O corpo de Jaiya chegou a Barra dos Garças, no Mato Grosso, por volta das 2h da madrugada de ontem. Lá, uma equipe da Funasa, responsável pelas Casais, aguardava para continuar o trajeto até a aldeia São Pedro, a cerca de 330km da cidade. A aldeia onde a menina morava fica em uma selva e os índios não têm contato com o homem branco.
O motorista do carro da funerária disse ao Correio que, em Barra dos Garças, corria a notícia de que os índios da aldeia estavam “exaltados e revoltados com o crime”. O carro da funerária seguiu acompanhado de uma caminhonete da Funasa. Nela, estavam uma enfermeira da fundação, a mãe, uma irmã e um sobrinho da menina.
Há cerca de 15 mil xavantes no Brasil. As aldeias ficam em nove cidades de Mato Grosso. O povo xavante é conhecido por ser aguerrido. O cacique de uma das tribos, Tsuime Abhoodi, disse semana passada em Brasília que quem matou Jaiya terá que pagar pelo o que fez, seja quem for e doa a quem doer.
A Funasa desmentiu ontem que o crime estaria solucionado e que a tia da menina, Maria Imaculada Xavante, seria a autora. A informação, divulgada primeiramente pela TV Brasil, teria partido de alguém da fundação. A assessoria nega e diz não ter mais nada a dizer sobre o caso. Uma comissão formada por representantes do Departamento de Saúde Indígena da Funasa e um procurador federal foi instaurada para apurar as circunstâncias da morte de Jaiya. O órgão informou que, caso seja constatada omissão ou negligência por parte de funcionários da Casai, esses serão punidos.
Entidades acompanham investigação
Cristina Ávila Especial para o Correio

A crueldade contra a índia Jaiya Xavante, que morreu em conseqüência de agressões sofridas na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) do Distrito Federal, revoltou representantes de instituições especializadas na proteção à infância e à juventude.
A menina de 16 anos teve os órgãos genitais perfurados por objeto contundente, o que provocou também o rompimento do estômago, baço e diafragma. “É surrealista. Extremamente grave”, exclamou o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), da Câmara Federal, deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS).
Ele enfatizou o fato de Jaiya ser portadora de necessidades especiais, pois não falava e se locomovia em cadeira de rodas, e de ter sido agredida enquanto estava abrigada em uma unidade pública destinada a apoiar indígenas que esperam por atendimento médico em hospitais de Brasília.
A Casai fica no Gama, às margens da rodovia que liga Brasília a Goiânia. Relatório Pompeo de Mattos disse que na próxima terça-feira vai criar um grupo de trabalho integrado por ele e pelo menos mais dois integrantes da Comissão de Direitos Humanos, para acompanhar a apuração do caso. Em uma semana deve ser concluído um relatório a ser encaminhado ao plenário da comissão.
O trabalho dos deputados será levantar informações sobre as condições que favoreceram o crime na Casai. Os dados vão subsidiar a CDHM na decisão sobre as providências a serem tomadas. “É inconcebível. Como ninguém viu? Em que circunstâncias o crime aconteceu?”, questiona Augustino Veit, advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), organização não-governamental com sede em Brasília.
Por prerrogativas profissionais e pela missão da instituição que representa, ele tem legitimidade para acompanhar as investigações policiais, como perícias e depoimentos de testemunhas. Deverá atuar junto com a advogada Climene Querido, também da Cedeca. Ele esclareceu que não há objeção da Polícia Civil nesse acompanhamento. Augustino Veit conhece a Casai por conta de um atendimento feito pela Cedeca a indígenas no ano passado.
“Aquilo não é digno. É um amontoado de gente, sem condições de higiene. Com baratas e gatos misturados com as pessoas”. Ele ainda observa que o local não leva em conta as diferenças culturais de índios das várias etnias que se encontram lá. “Como querer harmonizar pessoas de povos com costumes tão diferentes? Ainda mais em momentos de fragilidade muito grande, em que estão doentes.”

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