quarta-feira, 18 de junho de 2008

INTERNACIONAL / ARGENTINA


O que está por trás da crise rural argentina

BBC BRASIL

Há duas realidades por trás do conflito entre a presidente Cristina Fernández de Kirchner e os agricultores na Argentina: a tendência à monocultura e a crescente concentração de terra em poucas mãos no país.

A Argentina possui 30 milhões de hectares cultiváveis, mas, segundo admite o governo, metade desta área se dedica ao cultivo da soja.

O país é o terceiro maior produtor mundial de soja e sua economia se recuperou do colapso financeiro de 2001, em parte, graças a ela. No entanto, a oleaginosa não alimenta a população, já que 95% da produção se destina ao mercado exterior.

Em conseqüência, grãos como o milho e o trigo, que são consumidos no mercado interno, têm uma superfície cultivada cada vez menor.

Também há menos camponeses dedicados à pecuária, apesar de cada argentino consumir, em média, 70 quilos de carne bovina por ano. É que criar uma vaca consome mais tempo e investimento do que cultivar soja, cujos grãos podem ser semeados sobre os restos da colheita anterior, sem necessidade de arar o solo.

O avanço do cultivo da soja sobre outras atividades rurais se deve ao fato de a oleaginosa ter se tornado um grande negócio, tanto por causa do aumento dos preços no mercado internacional, como porque os pagamentos são feitos em dólar.

Concentração

Apesar de a Argentina estar vivendo um "auge da soja", são poucos os beneficiados, já que a produção está concentrada nas mãos de grandes latifundiários e nos chamados "pools de plantio" - conglomerados finaceiros, geralmente alheios ao campo mas que participam do negócio rural.

Na Argentina há 84 mil produtores de soja. Segundo dados oficiais, 20% deles concentram 80% do cultivo. Desses, 2,2% controlam a produção de quase metade da soja do país.

Segundo analistas, isso ocorre porque a falta de regulação levou a condutas com características de monopólio ou cartéis no campo.

Por exemplo, um "pool de plantio" tem muito mais poder de negociação do que um pequeno ou médio agricultor na hora de arrendar terras ou comprar máquinas, e consegue preços menores.

"Este equilíbrio faz que cada vez mais os autênticos produtores sejam despejados do campo e, como conseqüência, desapareçam povoados rurais inteiros", disse à BBC Eduardo Buzzi, presidente da Federação Agrária Argentina (FAA), que agrupa os pequenos agricultores.

Interesses distintos

A paralisação agrária começou depois da decisão da presidente Cristina Kirchner de aumentar os impostos para a exportação de soja e girassol de 35% para mais de 40%.

Os pequenos e médios produtores foram os protagonistas iniciais, mas os grandes proprietários e conglomerados também aderiram.

Aos primeiros, o aumento dos tributos diminui a já limitada margem de lucro, reduzida porque já não há outra opção a não ser alugar terras e comprar insumos a preço de mercado.

O aumento, no entanto, não afeta tanto os grandes proprietários, que têm alta margem de lucros e benefícios gerados pelo poder de negociação.

Por conta disso, o governo argentino decidiu diferenciar os dois grupos e reverteu o aumento para os pequenos e médios produtores. O resto, no entanto, deverá continuar pagando impostos mais altos.

Nenhum comentário: