quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

INTERNACIONAL / América Latina


Colômbia lança contra-ofensivaPaís acusa Venezuela e Equador de financiar e proteger as Farc. Quito rompe relações com Bogotá


Rodrigo Craveiro

Da equipe do Correio


O cheiro de pólvora sobre a América do Sul tornou-se mais concreto nas últimas 24 horas, depois que o governo colombiano anunciou ter provas contundentes de relações suspeitas da Venezuela e do Equador com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Bogotá revelou que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, abasteceu a insurgência esquerdista do país vizinho com cerca de US$ 300 milhões. E culpou Quito por ter mantido contatos com Raúl Reyes — o porta-voz e vice-líder das Farc foi eliminado no sábado, em uma controversa operação militar da Colômbia no território equatoriano. As acusações foram muito além da retórica. O diretor da Polícia Nacional, Oscar Naranjo, apresentou documentos supostamente confiscados no computador de Reyes. Entre eles, uma carta escrita em 14 de fevereiro pelo comandante Iván Márquez, membro da cúpula da guerrilha, que fala do “financiamento de Caracas às Farc por US$ 300 milhões”. “Essas mensagens não apenas deixam implícita uma aproximação, mas uma aliança armada entre as Farc e o governo venezuelano”, atacou Naranjo. O policial disse que um dos documentos destaca o agradecimento de Chávez pela ajuda de US$ 50 mil oferecida pelas Farc em 1992, quando ele ficou preso após um golpe de Estado fracassado. O teor de uma das cartas divulgadas por Naranjo também compromete o presidente equatoriano, Rafael Correa. “Recebemos uma visita do ministro do Interior do Equador, Gustavo Larrea (…), que, em nome do presidente Correa, trouxe saudações ao Camarada Manuel (Marulanda, líder das Farc) e ao Secretariado (Estado-Maior da guerrilha)”, afirma o texto de autoria do próprio Reyes. Na mesma carta, ele pede a Marulanda ajuda para entregar Pablo Emilio Moncayo, seqüestrado pela guerrilha em 1997. Larrea confirmou ontem que se reuniu com Reyes para debater a libertação dos reféns. “Essa reunião se desenvolveu em janeiro, fora da Colômbia e fora do Equador”, admitiu o ministro. Naranjo assegurou que as Farc adquiriram 50kg de urânio, o que pode significar que elas “estão dando passos importantes no mundo terrorista para se tornar um grande agressor internacional”. “Ter urânio, base para gerar armas sujas de destruição, é realmente uma ameaça”, advertiu. Apesar do aumento da tensão em um nível raro na América do Sul, o mandatário colombiano, Álvaro Uribe, decidiu por ora não responder à estratégia intimidatória de Chávez, que mobilizou 10 batalhões na fronteira. O general Alberto Müller, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), considerou a manobra militar como uma “ação defensiva” e qualificou de “loucura” as denúncias de financiamento às Farc. “Uma força insurgente que recebesse uma ajuda de US$ 300 milhões ficaria tão poderosa que não seria mais possível combatê-la”, declarou. Ele acrescentou que os colombianos tentam ocultar um “crime contra a humanidade”. “Eles mataram 20 pessoas indefesas. Foi uma covardia”, considerou. No âmbito diplomático, Caracas ordenou a “expulsão imediata” do embaixador da Colômbia. Ingrid À reação da Venezuela seguiu-se uma resposta enérgica de Quito, que já havia expulsado o embaixador colombiano. Na noite de ontem, o Equador enviou uma carta a Bogotá na qual informou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia. O presidente Correa disse que o ataque contra as Farc no Equador frustrou a libertação da ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt e de 10 reféns da guerrilha, que ocorreria este mês no Equador. “As conversações para libertar Ingrid estavam bem avançadas. Tudo foi frustrado pelas mãos belicistas”, disse o mandatário. Segundo o jornal equatoriano El Universo, o país concentrou 3.200 militares na província fronteiriça de Sucumbíos. Mais cedo, Miguel Carvajal, vice-ministro da Defesa do Equador, tinha acusado a Colômbia de agir “deliberadamente” para gerar instabilidade política e militar na região. Aliado da Colômbia, os Estados Unidos apoiaram ontem o governo de Uribe em seu “combate a organizações terroristas” e pediram a Quito e a Bogotá “moderação”. Gordon Johndroe, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, exortou a Venezuela a “trabalhar construtivamente” com o governo colombiano e considerou “estranha” a decisão de Chávez de enviar tropas para a fronteira. -


memória

Invasão ao Brasil


Há dez anos, uma suposta invasão do território brasileiro por militares colombianos abriu séria crise diplomática bilateral. Até hoje mal explicada, a violação teria ocorrido em novembro de 1998. Segundo a versão oficial brasileira, tropas do exército da Colômbia utilizaram uma pista da Força Aérea em Querari, no Amazonas, para atacar guerrilheiros em Mitú, cidade colombiana então ocupada por rebeldes. Bogotá sustentou que pediu autorização, mas o governo brasileiro a teria negado. O então presidente, Fernando Henrique Cardoso, convocou reunião de emergência no Palácio da Alvorada, com ministros militares e outros membros do gabinete. Decidiu, também, convocar ao Itamaraty o embaixador da Colômbia, divulgar nota de protesto e chamar para consultas nosso embaixador em Bogotá. (Claudio Dantas Sequeira)

Ação pode ser legítima

Caso fique comprovada a leniência do governo do Equador com a presença das Farc em seus limites, a legislação poderá respaldar o bombardeio ao território equatoriano. Segundo Antônio Borges, especialista em direito internacional da Universidade de Brasília, os supostos benefícios que o governo de Quito concedia à guerrilha autorizariam uma ação militar de Bogotá. “O Equador estaria cometendo ilícito ao insuflar ou conceder privilégios a uma força insurgente em um país vizinho”, explicou. “Por isso, a Colômbia teria agido em legítima defesa”, acrescentou. O direito internacional prevê que um Estado não pode usar meios muito mais rigorosos que aqueles dos quais é vítima. Borges lembrou que o princípio da não-intervenção rege as relações entre os países. “Mas alguns atores têm estabelecido exceções, inclusive para proteger nacionais no território de outro Estado”, afirmou. Segundo o professor, o Equador poderia recorrer à Organização dos Estados Americanos (OEA). Plínio Gustavo Prado Garcia, mestre em direito comparado pela George Washington University (EUA), concorda que a OEA seria o primeiro órgão a dirimir divergências. “Até que ponto poderia um Estado abrigar terroristas e propiciar esse santuário sem que haja objeção dos vizinhos?”, questionou. (RC)

Um comentário:

Genecy Adaime disse...

Gostei muito do teu texto analisa com clareza a controvérsia no âmbito das relações internacionais sobre a crise diplomática na América Latina. Penso que devemos nos preparar para relativizar um dos conceitos-chave da ciência política: a soberania.Um abraço. Genecy Adaime